11 dezembro, 2005

MUITO PEQUENA FICÇÃO HISTÓRICA ou O AXIOMA DO EXADRISTA DERROTADO

Depois de uma tarde deleitando sua razão sobre um tabuleiro, já cansado de tentar superar o mestre Giancchino Greco, que vinha de impor calamitosas derrotas a alguns nobres pernósticos da corte do Duque de Lorena, René, com o olhar perdido nas peças, suspirou forçando o queixo contra a palma da mão estendida: penso, logo desisto.

O afamado enxadrista italiano pouco se importou com a frase que precedeu a capitulação do exército de dezesseis soldados de René. Já o matemático e filósofo, talvez por um cacoete profissional, começou a ruminar as palavras que acabara de pronunciar. Teria sido mais honroso dizer: não pensei, logo desisto? Ou: desisti, pois não pensei logo? Talvez: já que comecei a pensar só agora, vou logo desistir? A conclusão não veio, pois a meditação foi interrompida pela invasão da imagem de um tabuleiro na mente de René, imposição de horas diante do campo de batalha de cores alternadas. Como não conseguisse apagar tal visão, passou a analisar a relação entre as casas do tabuleiro e os movimentos das peças sobre ele. Haveria uma forma de descrever os lances do jogo segundo a relação entre linhas e colunas do tabuleiro?


Quanto queijo Cartesius (um apelidinho de René) comeu naquela tarde; se já possuía a longa cabeleira que consta dos seus retratos mais divulgados; ou se teve nova chance de tentar distinguir-se dos nobres quanto à perícia enxadrística, não se sabe. Também é desconhecido quanto tempo levou para que o mestre italiano recebesse em sua casa um pacote, vindo da Holanda, contendo um livro intitulado Discurso sobre o Método para Bem Conduzir a Razão a Buscar a Verdade Através da Ciência. O presente vinha com duas tiras de papel marcando páginas. Uma das partes selecionadas tratava de como localizar um ponto em um plano, balizado por dois eixos, cuja semelhança com um tabuleiro de xadrez logo se mostrou ao presenteado. O outro trazia a conclusão de um método segundo o qual se partia da dúvida total à razão plena. A dedicatória posta acima da assinatura resumia-se a: cogito, ergo sum ou simplesmente penso, logo existo. Muito pouca gente sabe disso, na verdade apenas eu, mas o fato é que as maiores contribuições de René Descartes ao conhecimento humano foram fruto de uma má jogada partida de xadrez.

12 novembro, 2005

PUTAS, PILAR E PAIXÃO

Pilar del Sol é uma personagem objeto. Objeto da paixão de Marcelo Coqueiro. Marcelo Coqueiro é o protagonista do romance Muito Além da Neblina, de Germano Silveira (cujo blog está entre os links ao lado). Delgadina é o objeto da paixão do velho sábio em Memória de Minhas Putas Tristes de Gabriel García Márquez. O escritor estreante e o consagrado ganhador do Nobel de Literatura falam com verdade sobre os desejos do coração do homem pela mulher idealizada.

Pilar del Sol está entre as mulheres que Marcelo Coqueiro rememora, nenhuma delas puta. Para ele a atração por Pilar é um episódio da sua jornada amorosa, mas não um lance qualquer, visto que é inserida no exato momento em que o herói indaga se chamais amará verdadeiramente. Delgadina é o presente de um homem de 90 anos que vai encontrar na memória as putas do seu passado. A jovem de 14 anos é o elo que une as duas pontas da corrente. O que deveria ser a última extravagância do rei dos bordéis acaba por levá-lo à paixão pura, terna, generosa, idealizada, da qual fugiu a vida toda.

No caso de Marcelo e Pilar não interessa a aparência física ou o desprezo dela, o que alimenta a paixão é o ideal, não o real. Esse ideal é ilustrado de maneira belíssima por Gabriel García Márquez, o que não revelo para não tirar o prazer dos que ainda não leram. Para o velho homem sábio não interessa a brutal diferença de idade, por que se todos interpretam a velhice pela decrepitude física, poucas pessoas sabem que o coração de um homem, mesmo depois de uma longa fuga de quase noventa anos, sempre está pronto para amar.

05 novembro, 2005

OS MÉRITOS DO PRESIDENTE

Qualquer democracia deve se orgulhar de produzir um mandatário supremo egresso das camadas populares. Se esse líder for da região mais pobre da nação, maior ainda o motivo da exultação. Mas nesse advento está implícita a questão do mérito. O que valoriza essa ascensão é o fato de que essa sociedade proporcionou os subsídios para tanto. Ao agente cabe o mérito pessoal de ascender segundo as condições dadas. Assim acontecendo, podemos dar a essa democracia o prêmio que lhe cabe em forma de reconhecimento. Mas de que serviria ir buscar um dos milhares de brasileiros miseráveis e instalá-lo no Palácio do Planalto? De fato, esse cidadão teria vindo das camadas inferiores da sociedade. De fato ele ocuparia o cargo de Presidente do Brasil. Entretanto, não passaria de uma farsa, uma falsificação. Faltariam os méritos. O da democracia e o do sujeito. Existe ainda uma situação intermediária, onde o cidadão se apoderaria do mérito que caberia à sociedade. Se apoderaria de forma legítima, pois nessa hipótese o esteio necessário para sua ascensão não adviria do aparato estatal mas do esforço próprio para ir buscar o que deveria ter sido, mas não foi, colocado ao seu alcance. Esse deveria e poderia ter sido o mérito do Presidente Lula.

Para que se possa outorgar mérito a qualquer campeão da ascensão social é necessário apenas que esse mesmo mérito seja aferido. Na verdade o mérito é acumulado ao longo dos anos, onde essa pessoa buscou aprimorar-se para galgar patamares mais altos. O valor de subir na vida reside no fato de acumular as condições necessárias para tanto. Quantos brasileiros não saíram de periferias insalubres e tornaram-se médicos, jornalistas, engenheiros, etc.? Outros tantos, certamente em número bem menor, tornaram-se donos de hospitais, de jornais e de construtoras. No primeiro caso é pressuposto uma formação superior, e no segundo necessita-se de espírito empreendedor. Pessoas sem qualquer formação acadêmica também logram êxito. Se alguém sem diploma de jornalista administra corretamente um jornal é por que adquiriu os conhecimentos necessários fora dos muros da escola, foi um autodidata ou aprendeu com a prática, ou ainda segundo ambos os métodos. Mas não se concebe que um jornal seja gerido por quem não saiba o que está fazendo. As condições devem estar lá, não importa de que forma foram adquiridas, devem estar lá. E o mérito reside exatamente na empreitada para reunir o cabedal necessário. Se um servente passou a mestre de obras pressupõe-se que ele sabe mais do que mexer a massa. Se um contínuo chega a gerenciar um comércio pressupõe-se que consiga fazer mais do que meras entregas ou pagamento de contas. Se um advogado assume a magistratura pressupõe-se que as condições necessárias foram aferidas pela realização de provas de conhecimento e de títulos. Quanto mais alto o posto que se almeje maior a preparação, maior o mérito. Para ser presidente de um país é necessária uma preparação em muito superior a de um magistrado (ao menos os das instâncias iniciais). Essa deveria e poderia ter sido a preparação do Presidente Lula.

Lula tem seus méritos. Primeiro tornou-se metalúrgico, depois líder sindical de forte atuação durante o regime militar, embora esse já seguisse o caminho do fim com as perseguições abrandadas. Fundou um partido político. Participou das manifestações pelas eleições diretas. Foi deputado federal constituinte. Por último virou candidato. Desde de 1989 Lula virou meramente candidato. De 1989 a 2002, ou seja, durante exatos 13 anos (curiosamente o número do PT) dedicou-se a ser candidato a Presidente. É fácil então aferir os méritos de Lula. Eles estão concentrados até o ano da sua primeira candidatura. O que Lula estudou? Onde obteve os conhecimentos necessários para exercer a direção do Brasil? Onde demonstrou que possui esses conhecimentos? Lula não está preparado para ser presidente do Brasil. Isso não é preconceito. Tenho um diploma universitário e não me sinto preparado para exercer esse cargo. Se tivesse além da formação superior a experiência de Lula, também não me sentiria. Trata-se de um fato: Lula não tem preparo, não obteve o mérito suficiente para o exercício do cargo que ocupa. Ele não precisava ser um erudito, muitos grandes líderes não foram, mas é preciso mostrar capacidade de governar, experimentação, gênio, perspicácia. Se para Platão o governante deve ser um filósofo, ou a um filósofo deve ser entregue a direção da cidade, só nos cabe lamentar que o nosso Presidente esteja tão distante desse ideal. Assim, nossa infante democracia ainda não pode vangloriar-se de ter proporcionado a ascensão de um do povo ao cargo máximo da Nação. Ela não criou as condições para tanto e aquele que ocupa o cargo não possui mérito suficiente. Tudo não passa, infelizmente, de uma grande farsa!

29 outubro, 2005

AINDA O REFERENDO


NÃO É NOVIDADE que quase toda a grande imprensa (grande no tamanho, mínima nos escrúpulos) apoiou o perdedor “sim” no 23 de outubro. Derrotada, botou beiço e pôs-se logo a explicar que mesmo tendo vencido o “não” continua sendo muito difícil possuir uma arma de fogo. Pelo que me lembro a severidade para permissão de compra era argumento contrário aos seus. Mas o mais interessante é a oitiva de cientistas políticos e sociólogos. Tais “especialistas” não tardaram em dar interpretação exata acerca do que significou o rotundo NÃO bradado no último domingo: o povo está insatisfeito quanto à política de segurança pública adotada pelo governo. Brilhante, genial. Quantas horas de estudo teriam sido necessárias para avançar à tão distante fronteira dos estudos sociais? Para isso serviu o referendo? Para essa conclusão? Vou sair pelo mundo procurando uma nação, uma cidade, uma tribo, uma aglomeração humana qualquer que esteja satisfeita com leis frouxas, judiciário deficitário, polícia mal paga, mal equipada e mal treinada. Quem tem satisfação com delegacias invadidas para libertação de presos, cadeias cheias de celulares, setores da cidade comandados por traficantes e suas milícias? O derrota do “sim” mostra o óbvio: o brasileiro não abre mão do direito de se armar. Quer ter acesso a armas. Não se vê como um povo de segunda categoria, a quem se for dada a posse de armas de fogo poderá cometer barbaridades no meio da rua ou trazer perigo iminente para suas crianças. Pergunte-se agora o que os brasileiros acham da severidade do alcunhado Estatuto do Desarmamento. Eu não tenho medo da democracia, mas muita gente por aí tem!
PS.: ciência política e sociologia não possuem a mesma exatidão da engenharia, por exemplo. Onde estão os que pensam de maneira diversa? Duas possibilidades: idiotização dos “especialistas” ou a já citada falta de escrúpulos da “grande” imprensa.
ilustração de Maringoni publicada no site agenciacartamaior.uol.com.br

RAZÃO DE SER

“NÃO FAÇO IDÉIA” é uma resposta comum quando queremos expressar com veemência que nada sabemos acerca do assunto sobre o qual somos indagados. Constará nesse blog exata e simplesmente o oposto desse dito, ou seja, simplesmente escreverei do que conheço, ou do que penso que conheço, ou do que penso que faço idéia. Isso será feito no exato espírito de um papo numa mesa de bar, num café, numa visita à casa de amigos: sobre os mais variados assuntos, de maneira informal, despretensiosamente e com a expectativa de ouvir a opinião dos convivas. Fazer idéia, na verdade, será apenas o princípio do que resultará na verdadeira razão de ser disto aqui: trocar idéias. Fora isso devem surgir fotos, piadas, resenhas, etc..