15 novembro, 2006

HOMENS DE BRINQUEDO

Eu tive uma infância violenta. Muito violenta. Nem sei quantas vezes alvejei a bala, esfaqueei, degolei, esmaguei crânios, cortei mãos, mantive prisioneiros, torturei, surrei e cometi outras atrocidades com outras crianças. Da mesma maneira levei tiros, facadas, fui aprisionado, perseguido e massacrado por outros infantes. Tive em minhas mãos os mais variados tipos de armas, desde metralhadoras automáticas até espadas medievais. Que maravilhoso meu arsenal de menino: revólveres de espoleta, espadas e arcos e flechas de plástico, metralhadoras a pilha. Estranhamente, nenhuma daquelas crianças que acertaram tiros e facadas imaginárias em seus companheiros tornou-se um adulto violento, nem mesmo nossas adolescências indicam traços de uma infância tão agressiva.

Hoje são comuns as ditas “campanhas de desarmamento infantil”. Os jornais televisivos noticiam com largos espaços tais campanhas, sempre enaltecendo essas iniciativas e dando-lhes credibilidade pela citação de especialistas em segurança pública ou de algum cientista político qualquer. A lógica é “brilhante”: crianças que brincam com armas são incentivadas a serem violentas. Partindo dessa premissa procura-se trocar armas de brinquedo por brinquedos inofensivos, que ao invés de ajudar a formar cidadãos habituados ao uso da força, ajudaria na construção de um indivíduo mais civilizado, menos agressivo. Aqui há uma conjunção de forças ignóbeis, onde se aliam a imprensa (idiota, superficial, irresponsável e cheia de clichês), e entidades que promovem essa ação social de quinta categoria, e que no mais das vezes busca mesmo é a exposição na mídia.

Armas de brinquedo são tão inócuas como as balas irreais que disparam. Meus companheiros de infância e eu tínhamos armas de brinquedo, mas também tínhamos escola de qualidade, famílias estruturadas, ruas limpas e asfaltadas para brincarmos de dar tiro e também para jogarmos bola, andarmos de bicicleta, e outras atividades “não violentas”. A violência que expressávamos de pistolas de plástico nas mãos era aquela vista na televisão ou no cinema, não a do pai do vizinho que espancava a esposa ao chegar embriagado e desesperançado do trabalho, não a das gangues de rua se matando nas nossas calçadas, não a dos assassinatos por pontos de drogas. Façam quantas campanhas de “desarmamento infantil” quiserem fazer, colham os dividendos políticos e de audiência que desejam colher e no fim todos irão se surpreender ao verem crianças não brincando, mas ensaiando violência com armas formadas simplesmente por seus pequenos indicadores e polegares.

6 comentários:

Anônimo disse...

Apoiado! É isso aí! Faça amor, não faça guerra! Essas crianças estão vendo muita violência e nós adultos também. E nós já estamos vendo desde crianças e as de agora continuarão vendo quando adultas. A mente pode aceitar qualquer direcionamento, não devemos alimentar a mente das crianças com tanta violência. Questão de educação. Abração Marton!
JP

Anônimo disse...

"(...)onde se aliam a imprensa (idiota, superficial, irresponsável e cheia de clichês)"

olha ONDE eu tô me metendo! :x

Marton Carvalho Ramos disse...

Querida Paulinha, é nessa imprensa que você tem que se meter mesmo, pois sei que com você fazendo parte dela a coisa vai melhorar! Obrigado pelo comentário.

Anônimo disse...

Hum...vou aproveitar o comentário da Paula e a citação q ela colocou.Se por um lado, temos de fato uma mídia que expõe e explora raciocínios simplórios, deturpados ou até mesmo mentirosos com relação a essa questão da violência, temos que observar outros fatos tb. Como vc mesmo colocou, não é só o brinquedo que vai formar um adulto violento, mas toda uma estrutura social q envolve esse indivíduo, incluindo aí a notícia chamada de "fait diver". Esta, de tanto envolver o real e o fictício, termina por mesclar esses dois universos e criar ambientes onde não conseguimos mais distinguir o que é verdade e o que não passa de uma grande brincadeira ou um grande dramalhão. Em outras palavras, acaba ficando mais fácil chorar pela Nanda que morreu na novela, do que pela criança, adulto ou velho que tem o corpo estendido no chão enquanto um repórter qualquer faz comentários idiotas e uma multidão grita, sorri e mostra cartazes na frente das câmeras. Portanto, acredito eu, que a maior violência é a dormência ou banalização dos atos praticados e vivenciados todos os dias...seja num Barra Pesada, numa brincadeira dita infantil ou mesmo numa dança na boquinha da garrafa.Porque como já diria o grande filósofo: Pau que nasce torto nunca se endireita e menina que requebra, mãe, pega na cabeça". ;) bjuuus

Marton Carvalho Ramos disse...

Grande Lígia, taí um comentário que vale por um post. Obrigado pelo brilhante acréscimo.

Anônimo disse...

Quem diria, que além de ser gaiato, simpático e tirador de sarro(no bom sentido é claro, rsrssrsr), corre em suas veias um dom literário, poético, carregado de sensibilidade, coerencia e justiça.... Parabéns!!!!
Gostei de conhecer um pouco desse lado Marton de ser.